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Divulgação |
Ruy Flávio de Oliveira é paulista de Votuporanga, e depois de crescer em riberão Preto, radicou-se em Campinas.
O artista foi uma das gratas descobertas do Arte na Sacola, em uma visita ao nosso escritório, para discussão de assuntos não correlacionados a arte, por um acaso, se é que acasos existem, mostrou a nossa Diretora de Arte seus trabalhos, que no mesmo instante apaixonou-se pela força de sua linguagem e o convidou a participar do projeto.
O Arte na sacola entrevistou-o, abaixo voce poderá desfrutar do resultado desta conversa.
ARTENASACOLA: Desde quando você descobriu que tem a vocação para criar suas obras?
RUY: Desde a adolescência, quando em 1982 ganhei meu primeiro "computador" (assim mesmo, entre aspas), um TK82-C. Os gráficos eram totalmente em branco e preto, e a resolução máxima era de 64x44 pixels. Na mesma época assisti "Tron", da Disney, e vi o que os computadores poderiam fazer em termos de arte digital. Ali me apaixonei tanto por computadores quanto por arte digital. Ainda teria mais 5 anos pela frente até me deparar com os fractais, mas quando os encontrei descobri que era isso que eu andava procurando havia muito tempo, mesmo sem saber.
ARTENASACOLA: Você tem alguma técnica especial?
RUY: Fractais são matemática pura, e a técnica começa por aprender (e, de preferência) dominar várias áreas da matemática. Outra coisa: fractais são arte matemática que não seria possível sem o auxílio do computador. Algumas imagens exigem dezenas ou centenas (ou mais) de milhares de cálculos para cada pixel (ou seja: para cada ponto da tela). Fazer isso sem o auxílio (e principalmente, sem a velocidade) de um computador é impensável. A técnica, portanto, também passa por conhecer bastante sobre computadores e principalmente sobre os programas que produzem as imagens.
Uma vez dominadas essas ferramentas, a técnica é basicamente a experimentação. Uma imagem quase sempre começa por acaso, quando se combinam várias equações e o resultado inicial mostra potencial. A partir daí, o refinamento exige muita paciência e um olhar crítico que nos obrigue a separar o que é fácil e interessando daquilo que de fatp transmita algo de valor para a sensibilidade de quem olha.
ARTENASACOLA: Qual sua inspiração?
RUY: As próprias imagens durante o processo de criação. À medida que tomam forma vão inspirando novos detalhes, novas texturas, novas combinações de cores, novas formas. As imagens, aos poucos, vão sussurrando o que podem vir a ser, e nesse sentido são co-partícipes em sua própria criação.
ARTENASACOLA: Você costuma visitar exposições de arte?
RUY: Muito de vez em quando. Algumas não dá para perder, tipo quando algum dos grandes mestres é exposto no Brasil, ou quando em viagem para alguma cidade onde há algum museu.
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Worm Feeling |
ARTENASACOLA:Você acredita que o Brasil é um país onde é possível viver somente
de arte?
RUY: Acredito, claro, apesar de não nutrir nenhuma pretensão nesse sentido.
ARTENASACOLA: Qual a maior experiência de vida que você já teve?
RUY: As duas décadas (e contando) que estou ao lado de Léa, amor de minha vida, luz de minha alma.
ARTENASACOLA:Você já teve o chamado “apagão criativo?”
RUY: Várias vezes. Trabalho com fractais e outros sabores de computação gráfica há muito tempo, e em alguns casos durante anos fiquei sem produzir nada. Eu também costumava escrever, e nesse caso meu apagão criativo começou na metade da década de 90, e não terminou até agora.
ARTENASACOLA: O que você sugere para quem quer começar no mundo artístico?
RUY: Que não peça sugestões a ninguém.
ARTENASACOLA: Quando você constrói seu trabalho, geralmente você já imagina o
resultado final ou conforme vai fazendo e o pensamento muda?
RUY: Fractais são arte abstrata, e na vasta maioria dos casos o resultado se constrói aos poucos. O pensamento muda, as direções mudam, os objetivos mudam um punhado de vezes a cada quadro.
ARTENASACOLA: Qual foi a primeira apresentação pública de seu trabalho?
RUY: Aquela promovida pelo Arte na Sacola na Galeria Torrego.
ARTENASACOLA: Já recebeu algum prêmio? Qual?
RUY: Fui o vencedor do primeiro concurso de contos da ESPM - Escola Superior de Propaganda e Marketing (eu fazia Pós-Graduaçã lá) em 1995.
ARTENASACOLA: Você é autodidata ou fez algum curso?
RUY: Fiz Ciência da Computação e Engenharia da Computação na Unicamp, e apesar de serem dois cursos brutalmente técnicos, foram fundamentais para me ensinar a "pensar fractais". Fora isso, fiz cursos para aprender a utilizar o software UltraFractal, que é minha principal ferramenta de criação.
ARTENASACOLA: Você acha que ainda temos gênios na pintura e não apenas os do
passado?
RUY: Claro que os temos. Podemos não os apreciar, e talvez seja necessário que muitos deles morram para que tenham o reconhecimento que merecem. Mas que temos, temos com certeza.
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Alien Umbrellas |
ARTENASACOLA: Como você vê as tecnologias digitais inseridas no meio artístico?
RUY: No meu caso, como fundamentais. Eu não conseguiria fazer arte sem elas.
ARTENASACOLA: Antes de começar uma seu trabalho você faz um estudo ou vai direto ao trabalho?
RUY: Geralmente procuro revisitar algumas técnicas e vários algoritmos antes de iniciar. Mas tudo isso é pouco perto do tatear e descobrir que ocorre durante a criação.
ARTENASACOLA: Quantos trabalhos você já produziu?
RUY: Vixe… Ao longo de 25 anos? Não faço a mínima ideia. Mas é como um iceberg: devo ter hoje uns 100 trabalhos existentes, o que deve corresponder a 10% do que já fiz. Infelizmente, tudo perdido em hard drives quebrados e computadores reformatados depois de doados.
ARTENASACOLA: Qual é o item mais indispensável em seu estúdio?
RUY: O computador e o software, obviamente. Mas os meus 60GB de música v6em logo atrás. Ah, uma poltrona bem confortável e o meu ar condicionado também ajudam muito, bem como um suprimento razoável (leia-se: o equivalente a uma piscina olímpica) de Coca-Cola Zero.
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O Sonho de Salvador / O Pesadelo de Salvador |
ARTENASACOLA: Você coleciona alguma coisa?
RUY: Não. Já colecionei jornais quando acontecimentos dignos de nota ocorriam, mas hoje já quase não faço isso.
ARTENASACOLA: Você compra obras de arte também?
RUY: Não., mas já o fiz. Hoje em dia, só livros e música.
ARTENASACOLA: Qual sua ultima aquisição?
RUY: Artes Plásticas? Não me lembro. Música? "16xCello", de Zoe Keating. Livro? "Quicksilver", de neal Stephenson.
ARTENASACOLA: Você já recebeu alguma crítica que lhe fez querer parar de fazer
arte?
RUY: Já. Os fractais ainda hoje são vistos como uma forma "menor" de artes plásticas. A impressão que quem não conhece tem é que é "fácil" criar um fractal. Em parte eles t6em razão: acionar um software de criação de fractais e gerar uma imagem é questão de alguns segundos. Já criar alguma coisa significativa, não. Nesse sentido ainda me lembro de uma entrevista do Roger Waters, baixista do Pink Floyd, que é um dos "takes" do vídeo "Pink Floyd Live at Pompeii". Eles eram criticados porque usavam sintetizadores em suas músicas, o que para alguns críticos da época era a maneira "fácil" de se fazer música. Waters respondeu o que eu gosto de responder hoje em dia: o sintetizador (ou, no meu caso, o computador) é uma ferramenta. E qualquer ferramenta depende da capacidade de quem a manipula para produzir algo que preste. Waters afirma algo na linha de "Não é porque você dá uma guitarra na mão de um garoto que ele imediatamente se transforma no Eric Clapton, e não é porque você tem acesso a um sintetizador que consegue fazer música como o Pink Floyd". Faço minhas as palavras de Waters: não é porque se tem acesso a um computador que se consegue fazer boa arte digital, e fractais não são exceção a essa regra.
ARTENASACOLA: Você acredita que a concorrência está grande?
RUY: Depende de como se olha para a questão: os computadores estão cada vez mais disseminados no mundo, e a Internet faz com que se tenha acesso a artistas do mundo inteiro. Nesse sentido, sim: a concorrência é gigante. Contudo, quantidade não implica em qualidade. nesse sentido, bons artistas ainda são raros, e nesse quesito a concorr6encia é baixíssima.
ARTENASACOLA: Você acha que ainda vivemos em um mundo onde o artista é alvo de preconceito?
RUY: Não, a não ser nos poucos regimes totalitários ou nos estados teocráticos. Fora isso, não. Até quem mergulha um cachorro em um balde de tinta e esfrega a criatura numa tela tem reconhecimento, e isso é excelente para a arte como um todo.
ARTENASACOLA: Porque o Arte na Sacola?
RUY: Porque é uma excelente ideia. Porque assim mais gente consegue participar do mundo da arte, tornando-o uma coisa menos exclusiva e menos elitista. A arte é para todos, e as exposições e os museus, por mais que sejam necessários, não permitem que a pessoa desenvolva uma relação individual com a obra. Isso, no mais das vezes, custa caro e está fora do alcance do grande público. O Arte na Sacola vem preencher essa lacuna. E já não era sem tempo.
ARTENASACOLA: Quais são suas principais influências?
RUY: Minha principal influência é uma artista canadense pioneira em arte fractal de nome Janet Parke. Também considero meus mestre inspiradores Ron Barnett, Kerry Mitchell e Damien Jones, todos fabulosos criadores de fractais.
ARTENASACOLA: Como desenvolveu seu estilo?
RUY: Dentro da arte fractal não considero que eu tenha um estilo definido. As possibilidades são vastas demais, e eu nunca fico num "estilo" por mais de algumas semanas. Se alguém conseguir encontrar um elemento unificador em minha obra que não seja óbvio (a matemática, por exemplo), eu vou ficar muito surpreso.
ARTENASACOLA: Você já pensou em se apropriar de outra linguagens, pintura,
fotografia, digital?
RUY: Já. É inevitável para quem trabalha com arte digital não entrar para o mundo das imagens em 3 dimensões. E é inevitável para quem se entusiasma com imagens em 3 dimensões querer ver suas criações em esculturas. Já pensei muito nisso, mas nunca me aventurei.
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O Vértice do Sol de Pedra |
ARTENASACOLA: Como você descreveria seu fluxo de trabalho?
RUY: Um fractal é uma composição que depende efetivamente de cinco elementos: A equação que gera o macro-formato da imagem; os algoritmos que geram os micro-elementos da imagem; a composição de camadas que geram densidade e profundidade; as cores que dão vida a cada uma das camadas; e a forma de interação de uma camada com outra.
O trabalho começa sempre na escolha de uma equação, e apesar de ser uma escolha simples (qualquer um dos elementos subsequentes pode ser aplicado a qualquer equação disponível), é um processo que por si pode demorar bastante. Existem literalmente milhares de equações disponíveis, cada uma com nuâncias e detalhes diferentes. Um paralelo são as equações que geram curvas euclidianas: retas, circunferências, elipses, parábolas, hipérboles e por aí vai. Imagina esse tipo de variedade multiplicado por 100 bilhões: é o que se tem de "escolha" ao se escolher uma equação fractal.
Escolhida a equação, como cada pedaço infinitesimal da imagem é diferente dos demais, o próximo passo é escolher a região dentro da imagem, através do processo de "zoom". Aqui a diferença para uma curva euclidiana é gritante. Tomemos uma circunferência, por exemplo: quanto mais se dá zoom numa circunferência, mais a secção resultante se assemelha a uma reta. No caso de uma equação fractal, quanto mais zoom, mais detalhada é a região escolhida.
Terminada esta fase, o segundo elemento deve ser definido: os algoritmos que geram os micro-elementos da imagem. Também são milhares,e as ferramentas permitem que sejam combinados, criando formas que literalmente só são limitadas pela imaginação do artista. Uma ou mais camadas podem ser criadas com elementos diferentes e a mescla dessas camadas também oferece várias escolhas ao artista.
Algumas dessas camadas serão camadas de forma, isso é, geralmente serão formadas apenas por branco, preto e inúmeros tons de cinza. Outras serão camadas de cores, com conjuntos diferentes de cores sendo combinados para dar os tons finais da imagem.
Uma imagem tipicamente tem entre 3 e 5 camadas, e em meu caso o processo todo demora alguns dias para chegar a um resultado interessante. Não digo"para que a obra esteja pronta", pois como Picasso, acredito que uma obra nunca está definitivamente pronta: elas só descansam em momentos interessantes. Quando chego a um momento que considero verdadeiramente interessante, concluo meu trabalho, mesmo sabendo que poderia obter outros resultados, igualmente interessantes, se continuasse o processo (quem sabe na próxima imagem, digo-me intimamente).
A parte final é a renderização. Já tive imagens que demoravam semanas para serem renderizadas. Hoje em dia, com computadores mais rápidos, e com a possibilidade de dividir o trabalho em vários computadores, no máximo em 3 ou 4 dias o resultado final está pronto, e às vezes mesmo em algumas horas, para imagens mais simples.
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O Acasalamento das Echarpes |
ARTENASACOLA: Nos diga 5 sites que você indicaria?
RUY: Gosto muito do Renderosity e o Deviant Art, pois vários artistas digitais se encontram nesses dois.
ARTENASACOLA: Quais seriam as 5 características indispensáveis a todo artista
plástico?
RUY: Eu não saberia dizer: não sou artista plástico. No caso de um artista, penso que criatividade seja obviamente indispensável, bem como disciplina e uma técnica própria, desenvolvida a partir da experiência. No caso de um artista digital interessado em fractais, a curiosidade é indispensável, bem como a insatisfação e o desejo de fazer sempre melhor. Senão o artista cai na mesmice e fica óbvio, obsoleto.
Um bom conhecimento de matemática e de algoritmos computacionais, bem como a sensibilidade e o bom-gosto também ajudam muito.
ARTENASACOLA: Existe alguma pergunta que não foi feita que você gostaria de responder?
RUY: Eu adoraria responder "quais números serão sorteados na mega-sena?", mas não sei como.